website metrics Pensamentos: novembro 2005

quarta-feira, novembro 30, 2005

Autopsicografia

Foi muitos, foi um, foi só. Muitos dentro do mesmo, sempre povoado, sempre só.
Se morreu é porque viveu; porque viveu deixou as linhas dos versos, da prosa, das filosofias. Morreu, mas viveu. Deixou as vidas, dele e dos outros, que viveu.

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
que se chama o coração.
Fernando Pessoa

P.S. - Há mais INSTANTES de neve...

terça-feira, novembro 29, 2005

Casa Nova

A partir de hoje tenho uma casa nova. Esta continua a ser a casa de sempre, mas de vez em quando faz bem mudar de ares... Nem que seja só por uns INSTANTES.

segunda-feira, novembro 28, 2005

Bate leve, levemente...

É branca, imaculada, mas bate... e com força.
E que frio!!!

sábado, novembro 26, 2005

Buy Nothing

Hoje levantei-me, saí de casa e comprei o jornal. Na secção de sociedade do Jornal Público anunciava o "Dia sem Compras". Uma iniciativa da Associação GAIA, que pretende assinalar um dia de reflexão, em detrimento do consumo.
Bolas!!! E eu já comprei o jornal...

sexta-feira, novembro 25, 2005

Pátria que me pariu!

Uma prostituta chamada Brasil se esqueceu de tomar a pílula,
e a barriga cresceu
Um bebê não estava nos planos dessa pobre meretriz de dezessete anos
Um aborto era uma fortuna e ela sem dinheiro
Teve que tentar fazer um aborto caseiro
Tomou remédio, tomou cachaça, tomou purgante
Mas a gravidez era cada vez mais flagrante
Aquele filho era pior que uma lombriga
E ela pediu prum mendigo esmurrar sua barriga
E a cada chute que levava o moleque revidava lá de dentro
Aprendeu a ser um feto violento
Um feto forte escapou da morte
Não se sabe se foi muito azar ou muita sorte
Mais nove meses depois foi encontrado, com fome e com frio,
Abandonado num terreno baldio
Pátria que me pariu! Quem foi a pátria que me pariu!?
(...)
Gabriel, o Pensador

quarta-feira, novembro 23, 2005

Hoje à tardinha

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Florbela Espanca

terça-feira, novembro 22, 2005

Ginástica Mental

Rede de ginásios para exercitar raciocínio abre em Portugal
Em vez do corpo, a ideia é exercitar o raciocínio matemático

Uma cadeia norte-americana de centros de aprendizagem vai abrir em Portugal 20 a 25 "ginásios" onde, em vez do corpo, se exercitará o raciocínio matemático...

segunda-feira, novembro 21, 2005

Mau Tempo

O Instituto Nacional de Humorologia prevê para hoje, sentido de humor muito nublado, com vento forte. O pensamento vai soprar, com rajadas de 200 quilómetros hora, em direcção a noroeste.
Forte precipitação nas terras altas e possibilidade de trovoadas, em situações de tensão. O estado de espírito vai descer a temperaturas negativas, podendo mesmo gelar a convivência.

domingo, novembro 20, 2005

Xigubo Guerreiro

Faz hoje cinco anos que foi assassinado o jornalista Carlos Cardoso.
Ele foi o homem que acreditou na democracia Moçambicana, longe da corrupção, do oportunismo e das violações dos direitos humanos.
Ele foi o jornalista que deu voz aos que não tinham voz ou aos que tinham medo de falar.
Ele foi a vítima que falou demais, e por isso calaram-no.
Ele morreu por uma causa, mas ainda não é herói.


"...Então
com a raiva intacta resgatada à dor
danço no coração um xigubo guerreiro
e clandestinamente soletro a utopia invicta

À noite quando me deito em Maputo
não preciso de rezar
já sou herói..."

in Cidade 1985, Carlos Cardoso

sábado, novembro 19, 2005

Un Sueño dentro de un Sueño

¡Toma este beso en tu frente!
Y, en el momento de abandonarte,
déjame confesarte lo siguiente:
no te equivocas cuando consideras
que mis días han sido un sueño;
y si la esperanza se ha desvanecido
en una noche o en un día,
en una visión o fuera de ella,
¿es por ello menos ida?
Todo lo que vemos o parecemos
no es más que un sueño en un sueño.
Edgar Alan Poe

sexta-feira, novembro 18, 2005

O Imperador

"Agora de pé
Nós caminhamos, como nómadas,
Nós caminhamos um dia, dois dias,
Dez dias, vinte dias.
O mesmo número de noites,
o mesmo número de noites frias.
Chegou o momento do primeiro passeio,
O passeio das grandes caravanas.
Sobre nós, no céu, está a nossa rota...
O sol, as estrelas desenham um grande mapa.
Debaixo dos nossos pés, o coração da Terra..."

Luc Jacquet refere-se à Marcha dos Pinguins, mas poderia estar a falar do caminho da vida.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Dia de Serra

A Serra amanhaceu com as nuvens pousadas. Há um tecto de chumbo, com raros buracos de luz. Não está frio, não está calor. Não chove, não está sol.
É um dia não. É um dia cinzento. É um dia triste...

quarta-feira, novembro 16, 2005

O Jardineiro

O Fiel Jadineiro, de Fernando Meireles
Há uma sequência de montagem alucinante; há um passeio de bicicleta pelo céu de África, há uma viagem de comboio alucinante, abstracta, surreal.
Há uma cena demasido sentimental para o meu gosto; há uma câmara ao ombro demasido instável; mas há também uma estética muito particular, que só poderia ser de Fernando Meireles.
Não é perfeito, mas está lá quase!

terça-feira, novembro 15, 2005

Constipação

Birds, PIXAR
- Atchim! Atchim!
- O que é que se passa contigo? Estás constipado? Não me digas que a gripe das aves já te apanhou!...

segunda-feira, novembro 14, 2005

Sonho

(...) quase imediatamente, sonhou com um coração a bater. Sonhou-o activo, quente, secreto, do tamanho de um punho cerrado, de cor escarlate na penumbra de um corpo humano ainda sem cara nem sexo; com minucioso amor sonhou-o durante catorze lúcidas noites.
in: Ruínas Circulares (Ficções), de Jorge Luis Borges

sábado, novembro 12, 2005

Proximidades

É sempre assim! Quando conhecemos alguém com quem temos afinidades, prometemos que não vamos perder o contacto, que nos vamos continuar a ver. Mas a vida, cada vez mais rápida, acaba por nos separar das pessoas que estão longe geograficamente. Para lá de uns telefonemas e uns e-mails, tudo acontece tão depressa, que o tempo é sempre pouco para darmos a devida atenção a quem merece.
Uma dessas pessoas é a Vanessa. Conheci-a numa viagem a Paris, em 1999 (corrige-me se errei no ano) e depois do regresso só a vi uma vez. Consequências da distância, de um desterro forçado, de estar "demasiado ocupada". Ela também o dirá - que está "demasiado ocupada". Mas tenho a certeza que está "muito bem ocupada".

sexta-feira, novembro 11, 2005

Ao quilo

Conta o jornal Público que o The SUN reclama um lugar no Guiness , por imprimir o "maior jornal do mundo". O exemplar único mede 3x2,40 metros, tem 60 páginas e pesa 110 quilos.
Cada vez mais se vende informação a peso.

D. Sebastião

De repente lembrei-me das aulas do Mário Cláudio, das dissertações sobre a mentalidade portuguesa, do fado, do Mito do Sebastianismo.
- Em Portugal estamos sempre à espera que apareça um D. Sebastião, que há-de ser a salvação do país - dizia ele.
Cada vez acredito mais nesta verdade, mesmo que tenham passado cinco séculos desde que o jovem rei desapareceu. Estamos com azar! - Sá Carneiro morreu, Durão Barroso fugiu, o Sócrates não cumpriu.
Portugal espera agora Cavaco Silva? O Instituto de Meteorologia prevê céu limpo para os próximos dias e, até ao momento, não foi avistado um cavalo branco...

quinta-feira, novembro 10, 2005

Século XXI

De acordo com relatório do programa "Educação para Todos" da UNESCO, um quinto da população mundial não consegue ler este post (seja qual for a língua em que esteja escrito), nem o conseguiria escrever...

quarta-feira, novembro 09, 2005

Segunda Casa

Esta é a cidade onde eu vivi, a cidade que foi a minha casa durante 6 meses. Trabalhava no centro, junto a Notre-Dame, mas todas as noites dormia nos subúrbios (Saint-Quentin-en-Yvelines), onde o dinheiro da bolsa de estudos podia pagar um quarto.
Era uma cidade de luz que eu deixava todos os dias, para entrar nos subúrbios do silêncio e da escuridão. Às 6 da tarde todos jantavam, as luzes das casas apagavam-se e na rua deambulavam apenas uns quantos jovens, que caminhavam em bandos para irem a lado nenhum.
Já na altura (1999), Trapes era um gueto de Algerinos, Marroquinos, Turcos e alguns Portugueses. Só lá entrei uma vez, por engano. Senti uma frieza, uma distância, uma desconfiança, em cada olhar. A vida daquela gente não era fácil - nem demograficamente, nem economicamente, nem socialmente. Imagino que nada tenha mudado nos últimos 6 anos.

terça-feira, novembro 08, 2005

Em vias de recuperação

Olhos astutos, barbas compridas, orelhas de alerta. Patas largas e pêlo malhado. É o felino mais ameaçado do mundo. Lá fora (Espanha) só há 120 exemplares, em Portugal já está em extinção.
Este ano, nasceram três em cativeiro. Dois sobreviveram. O Lince Ibérico luta pela última oportunidade para sobreviver. É uma luta desigual contra o tempo, contra o Homem.
Cabe a cada um de nós dar-lhe essa oportunidade.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Pirâmide (sobre)-humana

Sala apinhada. Os lugares sentados estão todos ocupados, muita gente de pé e um batalhão de jornalistas.
- Não há mesa de som. Não podem colocar os microfones no púlpito.
Solução: Todos empoleirados, alguns em bicos-de-pés, esticam o microfone para a coluna.
Mas um presidente atento não deixa nada ao acaso:
- Obrigada pelo esforço, senhores jornalistas! Esta é que era a fotografia do dia. Devia estar um fotógrafo do outro lado, para registar aquela pirâmide de jornalistas, só para gravarem o que eu digo. Obrigada!
Os jornalistas agradecem. É esse o nosso trabalho, mas seria bom que às vezes pensassem em nós e nos dessem condições de trabalho.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Vento do Norte

O vento do norte chegou à montanha.
Assobia nos estendais, é gelado.
Mas é o vento do norte, por isso é bem-vindo.
Trará ele o meu mundo do norte?
Transportará a ternura, as vivências, os aromas?
Será o "vento de mudança"?
Não me parece. É demasiado frio e distante para trazer o calor do meu canto.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Todos por Um

A manhã está tão triste
que os poetas românticos de Lisboa
morreram todos com certeza

Santos
Mártires
e Heróis

Que mau tempo estará a fazer no Porto?
Manhã triste, pela certa.

Oxalá que os poetas românticos do Porto
sejam compreensivos a pontos de deixarem
uma nesgazinha de cemitério florido
que é para os poetas românticos de Lisboa não terem de
recorrer à vala comum

Mário Cesariny
vencedor do prémio Vida Literária

quarta-feira, novembro 02, 2005

O meu umbigo

O sismo do passado dia 8, que afectou principalmente o Paquistão, fez pelo menos 50 mil mortos e 70 mil feridos, só neste país. Deixou desalojados dois milhões e meio de paquistaneses. As consequências podem ser mais nefastas do que as do Tsunami.
Basta ligar a BBC ou a CNN para perceber a dimensão e a importância da tragédia. Mas as estações de televisão portuguesas continuam a ignorar os números, as vítimas, os factos. Parece que uma campanha presidencial, com sabor a dejá-vu, se sobrepõe nas agendas das televisões portuguesas.
Demasiado umbigo para uma barriga tão pequena!

Matiné

Ainda bem que há homenzinhos de plasticina, cães, coelhos, abóboras, cenouras, couves e muitas outras formas para nos fazerem rir.

terça-feira, novembro 01, 2005

Noite em Branco

Três horas depois de me deitar já estou a despertar. Acordo e olho o tecto, vejo o branco imaculado desde céu que cobre o meu quarto. Nem uma teia de aranha, nem uma pinta de caruncho, apenas um branco de lés a lés, que não dá para imaginar nada.
Procuro as horas. Continua a ser obsceno levantar-me. Ouço as 5 da manhã na torre da igreja e continuo a olhar o tecto, nesta procura desenfreada por um ponto, um excremento de mosca. Nada! Apenas o branco cal, que pinta o tecto do quarto.
Mais uma hora de impaciência. Rolo na cama, enrolo no lençol e o sono não chega. Acabo finalmente por adormecer – meia hora de sono, 20 minutos de sonhos, atrapalhados, surreais, non-sense.
6:30 da manhã. Ainda não há nada para fazer. Voltas, revoltas, reviravoltas e o sono não chega.
Desisto! Levanto-me, sem esperanças de dormir. Começo a fazer a mala da amargura para partir para mais uma semana de tormento.
Mais uma vez, olho o relógio: 7:30h. O dia vai ser tão longo! Logo hoje, que é dia de partir.